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Primeiro turno das eleições na França marca um duelo entre opostos
Internacional
Publicado em 10/04/2022

Quase 50 milhões de franceses estão aptos a decidir o futuro de um país marcado pelo envelhecimento da população e pela ascensão da extrema-direita, representada pelas figuras de Marine Le Pen e de Éric Zemmour. Os eleitores que forem às urnas, neste domingo (10/4), decidirão entre a continuidade das políticas reformistas do presidente Emmanuel Macron, que provocaram uma onda de protestos nos últimos anos, e uma guinada rumo ao ultraconservadorismo.

As mais recentes pesquisas indicam uma disputa apertada entre Macron, do partido A República Em Marcha, e Le Pen, do Reagrupamento Nacional. Dos 10 adversários na corrida ao Palácio do Eliseu, apenas Jean-Luc Mélenchon, candidato do partido de extrema-esquerda França Insubmissa, representa alguma ameaça para Macron e Le Pen. Os primeiros resultados devem ser conhecidos ainda hoje. O segundo turno está marcado para 24 de abril.

Macron foi bastante criticado pela demora em engajar-se na campanha e chegou a ser tachado de “arrogante” por parte do eleitorado. Priorizou o conflito na Ucrânia, na tentativa de destacar o papel de líder da Europa. Quando percebeu que Marine Le Pen ganhava força, acusou a rival de mentir ao adotar um tom mais moderado do que o pai, Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional, e de esconder um programa de governo racista. O esperado alto índice de abstenção, que deve superar o recorde registrado no primeiro turno de 2002 (28,4%), e os indecisos provavelmente terão papel determinante no pleito.

Cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, Jean-Yves Camus acredita que Macron ganhará de Marine, no primeiro turno, mas adverte que a vantagem do atual presidente tem diminuído. “Macron atingiu o pico nas pesquisas com o começo da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, ao tentar atuar como negociador entre Moscou e Kiev. No entanto, muito

rapidamente ele caiu nas sondagens, enquanto Le Pen ganhou eleitores por ter feito a escolha correta desde o início da campanha: ela aborda as preocupações diárias dos trabalhadores e da classe média. Os temas mais discutidos por Marine são os salários, a aposentadoria, a recessão, o aumento nos preços do petróleo e da gasolina”, explicou ao Correio.

Camus aposta que, na noite de hoje, assim que os resultados oficiais forem anunciados, a França assistirá a um grande apelo dos candidatos eliminados para impedir uma eventual vitória de Le Pen no segundo turno — o que seria uma catástrofe para os republicanos. “Apenas Zemmour deverá apoiar a candidata, pois ele pretende reconstruir a direita e ter uma aliança que abranja os partidos Les Republicains e Reagrupamento Nacional”, previu.

Reserva de votos

O especialista acredita em uma vitória com margem reduzida de Macron no segundo turno: 52% contra 47%. “Isso seria recorde histórico para Marine. A reserva de votos dela está com Zemmour — 80% dos eleitores do ultradireitista pretendem apoiá-la”, explicou. No entanto, Camus adverte que Le Pen precisará seduzir os eleitores que se abstiveram no primeiro turno e ainda obter o apoio de alguns votantes da esquerda radical. Uma tarefa virtualmente improvável. “Sua melhor chance é a de que muitos eleitores da esquerda que apoiaram Macron em 2017, porque queriam evitá-la a qualquer custo, agora se oponham à agenda de Macron e aos métodos de governo do presidente e prefiram a abstenção”, disse Camus.

“A indecisão também é um sinal do cansaço democrático”, analisou, em sua edição de ontem, o jornal Le Parisien, para o qual o fio condutor da campanha é a inquietação dos franceses “com o mundo que os cerca e seu futuro imediato”, mas sem um consenso.

Bertrand Badie, professor emérito da Universidade Sciences Po de Paris, disse ao Correio que Macron e Le Pen provavelmente confirmarão, hoje, uma disputa no segundo turno, durante o qual a candidata da extrema-direita deverá capturar os votos de protesto. “O erro de Macron foi ter se afastado da campanha. Ele é considerado arrogante pelos chamados eleitores flutuantes, que não se prendem a um determinado partido”, avaliou. “No segundo turno, é provável que Macron tente conquistar eleitores da esquerda e estigmatize a extrema-direita. Ele também buscará dramatizar o contexto internacional.”

RC

 

Rodrigo Craveiro
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