Carina Correa perdeu a filha, Thanise: revolta com os "absurdos cometidos contra nós" - (crédito: Renan Mattos/Esp.CB/D.A.Press)
Segundo o relato dos sobreviventes, por vezes, a comunidade de Santa Maria, cansada do rótulo de "cidade da tragédia", não os acolhia da maneira que eles esperavam
Segundo o relato dos sobreviventes, por vezes, a comunidade de Santa Maria, cansada do rótulo de "cidade da tragédia", não os acolhia da maneira que eles esperavam. "Eu não consegui mais viver em Santa Maria. Hoje, quando falo da tragédia, vejo que 90% das pessoas não sabem o que aconteceu. Elas acham que os culpados estão presos e que a justiça foi feita", conta Vanessa Vasconcellos. Ela se mudou para Porto Alegre em 2016, quando percebeu que a solidariedade, tão evidenciada nos primeiros meses após o incêndio, já não era mais vista na cidade.
Além da isolamento sentido diante da comunidade de Santa Maria, os sobreviventes expressam um sentimento bastante comum entre eles: culpa. "Aquele vão que eu peguei na multidão para sair de dentro da boate me traz culpa até hoje. Eu sei que eu peguei o lugar de alguém. Eu tinha certeza que meus amigos eram melhores do que eu e poderiam ter saído no meu lugar", conta, emocionado, Gabriel Rovadoschi.
Durante os oito anos, o maior medo das famílias era de que o sofrimento caísse no esquecimento. "Se não fosse a imprensa relembrando o caso e a gente seguir lutando, ninguém mais falaria hoje dos absurdos cometidos contra nós", relata Carina Correa, mãe da Thanise Correa Garcia, 18, uma das primeiras vítimas a ser retirada de dentro da Boate Kiss na madrugada do dia 27.
"Além de terem matado nossos filhos, é surreal tudo o que tivemos que batalhar para que pelo menos esses quatro reús estejam lá no dia 1º", afirma. Carina, que estava de plantão no hospital em que trabalhava na época, como auxiliar de nutrição, relembra ainda hoje a sensação de não ter notícias da filha. "Nunca vai passar", desabafa.
Em meio à tristeza e revolta, familiares e sobreviventes encaram o julgamento com esperança. "Eu só desejo que essa dor tenha um direcionamento mais digno", diz Gabriel.
Taísa Medeiros - Especial para o Correio