Depois de ouvir falar a respeito de um mutirão de empresas oferecendo vagas de emprego para pessoas com deficiência, Maiara Regia, 29 anos, não perdeu tempo e tentou uma oportunidade. A jovem foi escolhida para trabalhar no Consórcio Bancorbrás como assistente. Ela está empregada há sete anos e, antes de iniciar o home office, ia sempre para o trabalho de carona com o marido, de Valparaíso (GO) ao Plano Piloto.
Apesar de ter baixa visão, portanto, dificuldade para enxergar, Maiara conta que quase ninguém do trabalho sabe de sua deficiência. Primeiro, porque ela usa óculos, o que a ajuda com o problema; segundo, porque a jovem não quer ser resumida a essa condição. Ela sempre evita falar sobre a deficiência para seus colegas. A assistente conta que, no início, tinha vergonha ou medo de como as pessoas a olhariam. Hoje, ela não se sente assim. "Não quero que ninguém me veja por isso, me ceda algo na empresa pela minha condição, me limite por isso. Praticamente ninguém sabe”, diz.
Na empresa, o ambiente é tranquilo, e ela se sente confortável para trabalhar, porque seus chefes nunca a trataram de forma diferente dos demais. “Sempre tive muito incentivo por parte dos gestores, e sempre busquei mostrar que nós, pessoas com deficiência, podemos ser mais do que uma cota a ser preenchida dentro de uma empresa”, afirma.
Maiara tem formação em gestão de recursos humanos, Master of Business Administration (MBA) em psicologia organizacional e, atualmente, cursa psicologia. A assistente passou por diversos médicos, e cada um deles deu um diagnóstico diferente para sua deficiência. Na última consulta, Maiara recebeu o diagnóstico de deformação congênita do nervo óptico, o que prejudicou sua visão desde criança. De acordo com o médico, não é nada extremamente grave, mas, futuramente, a deformação prejudicará ainda mais a visão da graduanda em psicologia.
A respeito da Lei de Cotas, Maiara afirma que as pessoas com deficiência podem trabalhar como qualquer outro colaborador, com tanta excelência quanto. Para ela, isso é o que deve ser levado em consideração na hora da contratação. A assistente pensa que o funcionário não pode ser enxergado como um número preenchido por meio da Lei de Cotas, mas como um empregado como qualquer outro, que irá agregar e se dedicar à empresa dando o seu melhor. “Garanto que a pessoa com deficiência está preparada para o mercado de trabalho. A questão é: o mercado está pronto para a pessoa com deficiência? Espero que sim”, conclui.
Andrea Schwarz tem 400 mil seguidores em suas redes sociais
(foto: Arquivo Pessoal)
Fonoaudióloga e empreendedora social há 20 anos, Andrea Schwarz conecta pessoas com deficiência a empresas. No mercado de trabalho, a profissional ajudou mais de 20 mil PCDs a conseguirem emprego. Recentemente, ela foi eleita LinkedIn Top Voice, e essa foi a primeira vez que a plataforma elegeu uma mulher com deficiência na categoria. Andrea ajuda a transformar a cultura e a forma como a sociedade enxerga PCDs por meio de palestras. Além disso, ela influencia quase 400 mil seguidores em suas redes sociais.
A empreendedora explica que a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência tenta corrigir uma desvantagem social, mas não atinge toda a população que necessita de trabalho. Segundo ela, há 9 milhões de PCDs, no entanto, apenas 1 milhão de vagas são preenchidas, e metade delas somente está fazendo parte do regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“Se a Lei de Cotas não existisse, talvez eu nem estivesse aqui falando com você”, disse Andrea ao Correio. Ainda assim, a palestrante afirma que pessoas com deficiência são extremamente invisibilizadas e, como não são vistas, não se preparam para fazer parte de qualquer empresa. “O que precisa mudar é a sociedade e não as PCDs”, aponta a influenciadora .
A fonoaudióloga argumenta que a minoria das instituições age por conta própria, e coloca dentro de seu quadro de funcionários mais do que o exigido pela Lei de Cotas. Segundo ela, o que falta para gestores é olhar para pessoas com deficiência como um investimento, e não como custo. “Ter pluralidade é investir nos negócios, porque, sem ela, como vai ter inovação?”, questiona.
Andrea não acredita que pode haver mudanças sem o estabelecimento de metas. Para ela, um aspecto está ligado ao outro e a cultura será modificada quando as empresas tiverem como objetivo integrar de fato a PCD ao resto da empresa. “O processo seletivo não tem como ser feito sem cultura, a mudança só vai ocorrer se houver pertencimento, se a pessoa tiver voz. E, como PCD, sei o que é bom para mim enquanto um emprego”, pontua.
A empreendedora ainda informa que a proporcionalidade dentro da empresa deve ser olhada com cuidado. Cada gestor deve se perguntar se a demografia da instituição está parecida com a da sociedade. Segundo Andrea, pessoas com deficiência nunca estão ocupando cargos no topo da pirâmide.
“A gente quer o que fomos qualificados para ser. Capacidade é confundida com falta de oportunidade. Não falta capacidade, mas oportunidades. As organizações são reflexos da sociedade, vivemos dentro de contextos sociais preconceituosos, precisamos quebrar essas estruturas para construir ambientes verdadeiramente inclusivos. Avançamos com a Lei de Cotas, mas é preciso mais”, conclui.
Além de um ambiente fisicamente acessível, é preciso que não existam barreiras no comportamento das pessoas"(foto: Ascom/PRT)
O procurador do trabalho Piero Menegazzi afirma que ainda há muito a se evoluir na questão sobre pessoas com deficiência (PCDs). Dessa maneira, o Ministério Público do Trabalho (MPT) busca dialogar com os atores do mundo do trabalho, desde empregadores, que devem cumprir a lei que determina a contratação de pessoas com deficiência e beneficiários reabilitados, órgãos públicos e entidades que trabalham na promoção da empregabilidade, até associações representativas dos direitos das pessoas com deficiência e outras.
O procurador do MPT chama a atenção para a importância do reconhecimento dos próprios direitos por parte das pessoas com deficiência, para a melhor atuação da instituição. “A denúncia desses casos [de empresas que descumprem a Lei de Cotas tende a aumentar à medida que as pessoas vão tomando consciência de seus direitos”, afirma. Dessa forma, os próprios órgãos públicos que atuam na área passam a encaminhar cada vez mais notícias de descumprimento da lei ao Ministério Público do Trabalho.
O procurador relata que a inclusão social das pessoas com deficiência é um caminho que vem sendo trilhado há algumas décadas no Brasil e no mundo. Para ele, há a necessidade de aprofundamento da compreensão da igualdade de direitos entre pessoas com e sem deficiência, afastando-se alguns preconceitos que desmerecem a capacidade de trabalho da população com deficiência.
Também é importante a aplicação da Lei Brasileira de Inclusão, Lei nº 13.146, que objetiva superar diversas barreiras urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações e informações e também as de atitudes.
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